VULVA
ateliê
do
fim
do
mundo
para Sinara
pós fala escombro
no dia que nos conhecemos no ateliê do fim do mundo

Mundo
vulva em escombro
esse mundo nasce diariamente do estupro
desde sempre
desde antes
desde hoje
desde ontem

No antes,
as formigas picavam os lábios das vulvas
Vulvas Formigueiros
hipermulheres

Depois veio a enchente,
um alagamento
E Ela disse, fim do mundo era minha avó
quando me contou da época dos alagamentos
Das nossas casas

choro das mães, febril
quem tem medo da febre?

pós pandemia
sem promessa de redenção
sem positividade positivista
sem otimismo hipster

aqui é antro
Lúgubre
Indigesto
Violento

e se o Brasil produzir a vacina?
o BraSil Butantã
lá onde o pesquisador de cobra, Vital Brasil
morreu de picada de cobra
Vital morto
BraZil coveiro
Onde “todo mundo morre e daí?”

cura é avesso de vacina
cura é avesso de imunização
Curar a COVID?
Curar a COVID é imunizar o CAPITALOCENO,
Mais uma vez
e até quando?
Até quando essa geopolítica genocida

Cobra transformação do rio tempo
Ciclo é a tradução da vida
Acontecemos em ondas de ir e vir
Nosso início começa antes de de nós
A terra que acolheu as sementes
Os pequenos grãos que buscam
aconchego e quentura
pra se transformar em vida
As raízes que perfuram os solo
entranhando-se pelas frestas da terra
O tronco que se ergue
pra se tornar sustento
Os galhos que buscam direções
esperando a completa ocupação
As folhas, trazendo cores
se espalham pelo chão
Flores brotam trazendo odores
As frutas com seus sabores
amargos, azedos, ácidos ou doces
Em seus âmagos novas sementes
que a terra vai novamente acolher
Cada etapa ancestral
À margem do rio tempo
Sinto sob os pés a passagem da água segundos
Molho-me de minutos
Banho-me nas horas
Meu corpo fica coberto dos anos
que infiltram minha pele, deixando
Marcas que não se apagarão
Observo os pomares de ancestralidade
E cada pessoa ao longo do rio tempo
Algumas nadam vigorosamente
outras apenas permitem que a correnteza
as leve
Algumas lutam contra sua passagem
outras vomitam raiva e rancores
sujando tudo à sua volta
Algumas tem o poder de usar a água tempo
pra limpar a alma
Outras a transformam em unguento

chás e lambedores
Compartilham a cura
Num momento todos os rios findarão
retornaremos à terra, como semente
seremos encantades e ancestrais
Nos reflexos do rio tempo
está minha desesperança
pelas pessoas
Me avisaram que um dia virá
a canoa da evolução
Disseram que a cobra transformação
levará consigo
raiva
ódio
desamor
tudo aquilo que traz prejuízo
ao nós
e nos torna sós
Muitos ancestrais que hoje são
raízes
troncos
galhos
folhas
flores
e frutas
gastaram cada gota
de seus rios tempos vidas
aguardando a canoa
Deixei de acreditar
na canoa evolução
na cobra transformação
Olho meu pomar ancestral
as raízes tiveram que
abrir caminho em chão duro
Em diferentes momentos
toda minha ancestralidade
esteve nesse mesmo rio
á espera da canoa
cobra
Ela num veio
Acho que nunca virá

Procuro as bóias de amor
Os botes de esperança
às vezes alguns me salvam
Tem vezes que a salvação sou eu
Autoria: Jucinara Reis







ENTRADAS E SAÍDAS

Estamos aqui.
Entre o mundo e o fim, quantos segundos, horas, eras?
Onde está a saída? Você viu por onde entrou? Viu saídas de emergência?
Como escrever palavras como portas, como portais?
Como criar entradas e saídas a partir delas?
Com que palavras se constrói um glossário do fim do mundo? De quais mundos? De quais fins?
Em quais terrenos de possibilidades pisamos? Que começos podemos imaginar?
Como escolher palavras como guias? À procura de um oráculo?
Para o início do fim, para os muitos mundos do mundo.
Quais são as
palavras
imantadas no
fundo do
peito do céu?

LAURA CASTRO
O QUE SERÁ DE NOSSOS OLHOS DERRAMADOS
?
LAURA
FÉLIX
Nome do projeto; Jardim, portas e labirinto
Autoria: Zulmira Correia

Poesias:

(I)
A voz no túmulo. Os dizeres:
aqui jaz um pecador.

(II)
No castelo, sou prisioneira,
princesa & fera.
Salvação e maldição:
a tal mensageira da morte,
como disseram-me os sábios.

(III)
No fim, sou eu que mato as flores, destruo todas as portas
e paraliso numa encruzilhada dentro do labirinto. É sempre minha sina.
Escuto que não sou eu a levar a lâmina, mas é em minhas mãos
que o sangue escorre. Eu corro. Vou e volto. Solto a fera que estava guardada.
Ela abre as garras em meu peito, porque agora tenho tempo de apreciá-la,
diminuir as defesas e deixar que ela tome o controle.
Então sigo, meus olhos são os olhos dela. A fome voraz da fera.
A vontade de rasgar a carne:
língua estendida sentido o sabor, o gosto no ar. Faminta. Insaciável.
Marília Oliveira

1. Ser chão. Joguei sobre meu corpo pedras pontiagudas, levei fardos patriarcais. Agora ofereço o que é mais
leve, matérias mais gentis, gestos mais macios e um lugar para descansar. Ser o corpo que deita e que sobre
si tem deitado os restos – bonitos e acolhedores, se soltando das árvores, dos mares, guardando memória
de vida, lembrança de mundo. Ser chão para o que me toca enquanto caminho.

Pois agora
que o mundo enfrenta a doença, eu sou saúde. Saúde sapatão. Amor sapatão. Devir sapatão. Danço com as
folhas que caíram das árvores, mesmo parada deitada no chão frio de uma casa no sul da Bahia. Sou o
mínimo que descansa e, assim, deixo pra trás de meus pés o máximo de cansaço que já atravessei. Sou um
corpo sapatão que tem direito de descansar.